Maria da Conceição António, 60 anos, é uma das empresárias da noite mais bem-sucedidas. Pelo nome estampado no cartão de cidadão quase ninguém chega lá, mas por Kikas, toda a gente a conhece não só no Vale de Santarém, onde é proprietária do La Siesta, como por todo o País. Desde de 2003 que gere o bar de espetáculos de striptease e, para ela, regulamentar a prostituição não aquece nem arrefece. Paga licenças, IRS, IRC, todas as despesas entram na contabilidade e todos os lucros são taxados.
O mesmo já não acontece com as “meninas”. Para perceber do que fala Kikas, é preciso conhecer primeiro como funciona o seu negócio. O La Siesta está licenciado como bar, bebidas e espetáculo. Além disso, a empresária gere também uma residencial em que cobra 30 euros ao dia às cerca de 20 ou 30 mulheres que ali trabalham. O preço da diária inclui dormida, alimentação, lavandaria e transporte semanal para as que querem ir a casa nas folgas. Tudo isso entra na contabilidade. Só fica de fora o que mulheres ganham, seja com as bebidas que os clientes consomem (metade é para elas e metade para a casa), seja com o sexo que têm nos quartos e cujos lucros não dividem com ninguém: “Imagine agora o que isso representaria para as contas do Estado se a atividade de alterne e de prostituição fosse como qualquer outra profissão”, atira Kikas.
A diferença não se veria apenas nos cofres públicos e nas contribuições para a segurança social: “É também vantajoso para boa parte das mulheres imigrantes que estão na prostituição.” Ao conseguirem a legalização, escapariam à clandestinidade e consequentemente estariam mais protegidas da exploração de qualquer tipo, defende a empresária de 60 anos.
Por mais que se diga o contrário, a prostituição não é mesmo uma profissão como as outras? Não haverá sempre o estigma que chega de todos os lados e também a vergonha de as mulheres assumirem às claras o que fazem? Até isso seria um obstáculo “perfeitamente ultrapassável” nas finanças se dispensarem as etiquetas: “Bastaria classificá-las como prestadora de serviços não especificados. Simples, não é?”
Kikas que, há 14 anos, gere o bar La Siesta, garante que nunca, “mas mesmo nunca”, tirou partido ou lucrou com a prostituição das funcionárias a trabalhar na sua casa: Por mais que a GNR ou SEF tenham desconfiado disso no início. Perdeu a conta das vezes em que a casa já foi fiscalizada e orgulha-se de ser das poucas empresárias nesta atividade, quem sabe se a única, a ser absolvida, em 2007, a pedido da defesa e do Ministério Público do crime de lenocínio: “O que acontece dentro dos quartos é com cada uma delas, não tenho, nunca tive, nem quero nada com isso.”
As mulheres que tanto são do Porto, de Lisboa ou do Algarve, como do Brasil, do leste da Europa, de Espanha ou da República Dominicana, são unicamente um meio para chamar os clientes para os espetáculos e para consumirem: “Fazem girar o meu negócio, tal qual todas as outras mulheres que mexem com as economias locais.” E a região de Santarém não é diferente de qualquer outro lugar. “Vá perguntar aos taxistas, aos restaurantes, às cabeleireiras, às esteticistas ou nas lojas de pronto-a-vestir como se sentiriam se todas as mulheres a trabalhar nas casas de alterne de Santarém desaparecessem do dia para noite”, desafia Kikas, abrindo um sorriso irónico.