Está à venda desde dia 27 de setembro o novo livro de Pippo Russo, que retrata aquilo que define como “império” de Jorge Mendes, sob o título “L’orgia del potere” – em português, “A orgia do poder”. Em entrevista em exclusivo ao Desporto ao Minuto, o jornalista e sociólogo italiano explica o que o leva a concluir que as relações com o superagente muitas vezes acabam por ser mais nocivas do que benéficas, especialmente, no caso dos clubes portugueses
“Quando vejo um clube a cortar relações com Jorge Mendes, ou outro como ele, fico feliz”
Poucos são os clubes que acabam por não fazer qualquer tipo de negócio com Jorge Mendes. Por que defende que este empresário acaba por prejudicar os clubes?
Há a opinião geral de que Jorge Mendes ajuda os clubes a fazer boas vendas, mas temos de perceber para onde vai o dinheiro. Essa é a verdadeira questão. Por exemplo, o Sporting, sob a presidência de Bruno de Carvalho, descobriu que a relação com Jorge Mendes e com outros atores, como a Doyen Sports ou Pini Zahavi, não eram tão convenientes para o clube. O clube perde controlo sobre os seus jogadores. Perde soberania no que toca a decidir o seu próprio destino.
Esteve há não muito tempo em Portugal e teve a oportunidade de entrevistar Bruno de Carvalho sobre esse tema. O que concluiu?
O que Bruno de Carvalho me disse foi que, quando foi eleito, encontrou uma situação em que o clube quase não tinha controlo sobre os seus jogadores. Por isso, a decisão de mudar completamente a estratégia económica e das relações com superagentes, entre os quais Jorge Mendes, foi a natural consequência da mudança de política do próprio clube. Na minha opinião, foi a escolha certa. Sonho com o dia em que o futebol internacional seja livre da presença desses atores, como Jorge Mendes, Mino Raiola, Pini Zahavi ou Doyen. Não sei se é uma utopia, talvez seja. Mas, quando vejo um clube a decidir cortar relações com Jorge Mendes, ou outro ator como ele, fico realmente feliz.
Disse que é necessário “perceber para onde vai o dinheiro”. Tem alguma teoria quanto a isso?
Em primeiro lugar, se os clubes não são donos da totalidade dos direitos económicos dos seus jogadores, parte do dinheiro das vendas não vai para o clube, vai para os agentes, para os fundos de investimento e para os outros atores que estão fora do futebol. No entanto, há outras situações em que o dinheiro não vai totalmente para o clube. Por exemplo, no último verão, o Benfica vendeu Renato Sanches ao Bayern Munique por 35 milhões de euros, podendo chegar aos 80 milhões com bónus. Tudo bem, grande venda. Mas, se depois o Benfica gasta 12 milhões de euros para comprar os restantes 50% de Raúl Jiménez, quando já tinha gasto dez milhões nos primeiros 50%, e gasta outros 16 milhões de euros para comprar Rafa… Estou a falar de dois jogadores controlados por Jorge Mendes. A soma da compra desses dois jogadores é superior ao dinheiro recebido com a venda de Renato Sanches. O resultado é negativo, onde está a conveniência para os clubes?
O futuro passa pelo modelo inglês, onde os clubes são obrigados a deter 100% dos direitos económicos dos jogadores?
No futuro, os clubes vão ser detentores da totalidade dos direitos económicos, mas não sei se o futebol inglês é o melhor exemplo. Recentemente houve o escândalo trazido a público pelo Daily Telegraph e, entre aquilo que foi revelado, ficámos a saber que os fundos de investimento sabem que os regulamentos podem ser facilmente contornados, controlando direta ou indiretamente os clubes. Esta é a maneira que os fundos usam para contornar as leis. Aviso a opinião pública portuguesa para estar muito atenta no que toca a todas essas mudanças de propriedade nos clubes mais pequenos. Isto pode ser a maneira encontrada pelos investidores para fazerem circular os seus jogadores e ganhar dinheiro para levar para fora do mundo do futebol.
“Jorge Mendes e a economia paralela do futebol gozam de uma narrativa amigável”
Sempre foi muito crítico, não só de Jorge Mendes, como, por exemplo, da Doyen Sports. É uma ‘guerra’ que tem vindo a ser ganha?
Hoje em dia, atores como a Doyen ou Jorge Mendes são mais conhecidos do que eram antes. O interesse de alguns jornalistas de investigação teve como consequência mostrar essas pessoas ao público em geral. Se houve um tempo em que esses atores gozavam de um certo anonimato e mereciam elogios, agora estamos numa situação em que, felizmente, os meios de comunicação social são mais céticos. Fazem perguntas quanto à legitimidade destes atos no mundo do futebol e tentam perceber como funcionam os ganhos financeiros no mundo do futebol. Nesse sentido, a batalha foi ganha. Mas outra parte da batalha continua, que é proibir a ação destes atores no futebol. Esta parte da batalha vai ser mais difícil de vencer, porque estes atores arranjam sempre maneira de contornar as regras.
O Sporting entrou nessa batalha e acabou por ser obrigado a pagar uma pesada indemnização, a propósito do ‘caso Marcos Rojo’. Outros clubes podem olhar para este caso e sentir-se desencorajados?
Fiquei bastante surpreendido quando o TAS deu razão à Doyen. Não percebo como é possível um tribunal dar razão a um ator que está fora do mundo do futebol e que quer especular através do futebol. Mas é uma discussão de advogados. Eu sou um sociólogo e só posso registar os factos e expressar a minha opinião, que é contrária. Fora deste julgamento, penso que o princípio de lutar contra estes atores está certo. É um princípio que precisa de ser levado em frente. Espero que outros clubes tomem o exemplo do Sporting e iniciem a sua luta contra estes atores.
Encontrou exemplos de outro clubes que também tenham entrado nesta luta?
Sei que tem havido outros dirigentes a concordarem com Bruno de Carvalho, mas que não lhe expressaram apoio porque têm medo de ser vistos como inimigos por estes atores, que são muito poderosos.
Considera-se parte desta guerra?
Não, não. Sou sociólogo, jornalista e um profissional da verdade. Conduzo o meu trabalho, não uma guerra, não sou um soldado nem um herói. Sou apenas um jornalista e sociólogo que quer analisar a realidade fora da narrativa oficial do fenómeno. Jorge Mendes e a economia paralela do futebol gozam de uma narrativa amigável. Procuro montar uma narrativa alternativa e apresentar questões que muitas pessoas não colocam.
Sente que o seu livro tem vindo a ser bem recebido?
Recebi mensagens positivas da opinião pública portuguesa, italiana, e de outros países. Escrevi outro livro, em 2014, a propósito deste tema, e foi bem recebido em França, em Espanha e também em partes de Portugal e Inglaterra. O mesmo está a acontecer com este livro sobre Jorge Mendes, tem gerado algum debate. Estou a trabalhar para publicar uma edição em português na primeira metade de 2017.