Chego a casa dela e há quase sempre silêncio, luzes apagadas, parece que não vive lá ninguém. Televisão por norma desligada, um som baixo que vem do rádio, ou por vezes nem isso. Os dias correm e não sei o que ela faz para eles passarem. Mas é feliz. Na sua vida, na sua rotina. Acorda cedo, por vezes acaba por adormecer tarde, porque o sono apanhou trânsito e não chega a tempo e horas. Sei que dá as suas voltas pela zona, toma de vez em quando o pequeno-almoço na rua, mete a conversa em dia com uma ou outra vizinha e volta para casa. Ao seu passo, sem pressa, porque o destino não foge. Está lá à sua espera, como o noivo no dia do casamento à espera da noiva. Os dias passam, as semanas também. Quando vou lá, por vezes está sentada num banco da cozinha. Falamos um pouco. Eu pouco, ela muito. Vive há muitos anos sozinha, mas vive bem com isso. Pelo menos quero acreditar que sim. Conhece-me desde que nasci, mas ainda hoje não percebe quando falo a sério ou estou a brincar com ela. Mas não faz mal, eu gosto dela na mesma e vice-versa. Já passei dos 30 e sou um privilegiado por ter ainda a minha avó. E escrevi isto para dizer o seguinte: quando a minha geração desvaloriza a importância do tempo e acha normal ser pai tarde, o que isso quer dizer é que a geração futura em principio não terá a minha sorte. Ou seja, estamos a privar os nossos filhos de terem na sua vida a presença dos avós durante muitos anos. E todos sabemos como os avós são importantes no crescimento de uma pessoa. A minha foi para mim. E por isso sou um sortudo.