Crise de solteiros

Ficou solteira. Não estava à espera disso. A relação estável e longa acabou num dia igual a tantos outros. Acordou de manhã, deu um beijo de despedida ao namorado ensonado e foi trabalhar. Teve a habitual reunião semanal, discutiu com a colega chata da frente, trocou sms com o amor da sua vida, pensou no que iria fazer para o jantar e baldou-se ao ginásio para ir às compras no final do dia. Chegada a casa, ele pede-lhe para se sentar a seu lado. Ainda gostava dela, não tinha nenhuma amante, mas a relação não estava a funcionar, sentia ele. Ela ficou gelada. Nervosa. Sem reacção para sequer verter uma lágrima ou mandá-lo para um certo sítio. Nessa mesma noite, ele fez a mala com meia dúzia de coisas e foi para casa dos pais. No dia seguinte, acordou cheia de olheiras, vestiu-se para ir trabalhar, apanhou o metro em hora de ponta e chorou perdidamente no meio de desconhecidos. Isto foi há três meses e hoje queixa-se que não há homens solteiros interessantes.
Quando se anda na casa dos 30, a maioria dos homens e mulheres ou está numa relação, ou tem filhos ou não interessa a ninguém. Homens e mulheres normais, sem filhos de anteriores relações, solteiros e disponíveis para construir uma vida e família ao lado de alguém escasseiam tanto como o dinheiro na carteira dos portugueses. Vive-se uma crise de solteiros, digo eu. E é fácil perceber porquê. Há muita gente a viver em piloto automático. Não são infelizes, mas também não são felizes. Levantam-se, trabalham, chegam a casa, dormem e lá vem outro dia. As semanas passam assim. Ninguém parece dar conta disso, mas passam e não é devagar. São pessoas com relações longas, com ou sem filhos, que preferem acordar sabendo como vai ser o resto do seu dia, do que arriscar e mudar de vida. Não estou a criticar, mas apenas a constatar um facto. Mas para mim a culpa disto tudo é da crise e do governo. Todos os dias é uma incógnita para a maioria das pessoas. Muita gente não sabe até quando é que vai ter emprego e o governo continua a ir ao nosso bolso com uma regularidade preocupante. Não saber o dia de amanhã é assustador, por isso, as questões do coração perdem importância. A felicidade ou infelicidade são secundárias. O importante é saber qual a última medida de austeridade ou se os rumores que a empresa vai fazer um despedimento colectivo são reais. Ninguém vive sem dinheiro, mas pelos vistos muita gente pensa que pode viver sem amor. E por isso não há muitos solteiros interessantes. Há sim muitas pessoas que, mais tarde ou mais cedo, vão olhar para trás e perceber que durante anos não viveram, apenas sobreviveram a mais um dia. E esses, hoje estão numa relação, porque isso é mais confortável e dá menos trabalho do que arriscar a construir uma vida ao lado de outra pessoa. Já a minha avó diz, mais vale pouco e certo, do que muito e incerto, quando se refere a dinheiro. Percebo agora que também se aplica ao amor e felicidade.

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